“Querida
Lia,
Gosto
de ficar te observando dormir.
Você
parece calma, mas por incrível que pareça eu gosto mais de você
quando tem suas pequenas crises.
Por
mais que você já tenha arruinado alguns jantares de negócios que
nós estávamos, algumas festas de família, eu ainda te amo.
Lembra-se
quando nos conhecemos?
Eu
estava na casa de um amigo que por coincidência era marido de uma
amiga sua.
Por
que eu estou escrevendo isso? É claro que você se lembra.
Fui
eu quem correu atras de você quando você fugia das “pessoas”
que te perseguiam, fui eu quem teve coragem de subir até o segundo
andar e tentar conversar com você quando se trancou no quarto escuro
achando que estavam tentando te matar.
E
daquele jantar quando minutos antes de entrarmos eu, por impulso,
tentei limpar um pouco de batom borrado, que mal se percebia, no
canto da sua boca e você passou batom em parte do seu rosto.
Confesso
que meu chefe ficou muito assustado.
No
seu próprio aniversário, acabaram falando muito alto e você
quebrou seu vaso favorito, o jogando na parece, enquanto ria
loucamente.
As
vezes simplesmente chegava e desligava a televisão no meio do jogo
que eu estava assistindo alegando que eram espiões.
Isso
nunca foi motivo para ficar bravo com você.
Conhecia,
e ainda conheço, sua fragilidade. E tenho que admitir que sou
apaixonado por ela.
Talvez
o louco seja eu.
Você
se encolhia no canto do nosso quarto no meio da noite dizendo que
viriam nos matar, se recusando a voltar para cama, então eu pegava
nosso cobertor e você fazia meu peito de travesseiro.
E
era nesse momento que eu me sentia o homem mais feliz do mundo. A
probabilidade de você queimar essa carta antes mesmo de ler é
grande. Não sei o que virá dessa vez.
Tive
que começar a pagar todas as contas pela internet pois você
queimava os boletos e qualquer papel que passasse por debaixo da
porta do nosso apartamento.
Tique
que colocar grades nas janelas, como se fazem com crianças, logo
após de te encontrar sentada na beirada de uma das janelas, em tempo
de cair, falando com “anjos”.
Você
os veria se caísse do décimo andar. Onde eu estava com a cabeça de
escolher um apartamento tão alto?
Seus
pais, e os meus também, queriam me internar, me chamavam de louco
por querer ficar com você, Lia, eles não aceitavam.
Como
se você não pudesse ter uma vida normal.
Lembra-se
de quando conversamos sobre filhos? Sempre gostei de crianças. Nunca
nos achei aptos a cuidar de uma.
Foi
nesse dia que a magoei.
Me
arrependo tanto desse dia.
Não
tem uma noite que não penso naquela nossa discussão.
Eu
gritei com você, e você gritava comigo. Cheguei até mesmo a te
chamar de doente e você ficou me estapeando e gritando comigo
enquanto chorava muito.
De
repente você parou. Correu para o quarto e quando estava mais calmo
e fui até lá vi que você estava fazendo uma mala e queimando
nossas fotos.
Nunca
agradeci tanto por ter uma cópia de cada.
Mais
tarde os vizinhos foram nos perguntar que gritaria era aquela e se
não tivéssemos parado, chamariam a polícia.
Me
desculpe pelo papel molhado. Sempre choro quando me lembro desse cena
deplorável.
Não
quis me separar de você nem quando eu acordei com você em cima de
mim e se não fosse o travesseiro e meu reflexo eu teria morrido com
uma facada letal no peito.
É,
a cada parágrafo tenho mais certeza que o louco que deveria tomar
todos aqueles remédios sou eu.
Você
está prestes a acordar e estou um pouco ansioso. Nunca sei quem
minha mulher vai ser.
Recorda-se
disso? Cada dia uma personagem diferente.
O
melhor dia foi quando você decidiu ser apenas você.
Espero
todos os dias que isso se repita, mas todos os dias fico levemente
frustrado.
Espero
que você tenha entendido o que quis dizer.
Você
sempre soube que eu amo escrever, apesar de não fazer isso muito
bem. Você, no entanto, é uma grande escritora que se recusa a ser
manipulada pelo mundo e estragar algo que ama fazer.
Com
amor.
Do
seu Felipe.”
Dobrei
a carta toda borrada pelas minhas lágrimas e a guardei de volta no
envelope. Procurei a chave de uma gaveta que sempre ficava trancada e
guardei lá a carta. Não queria a perder.
A
gaveta estava abarrotada de outras cartas que ele havia me escrito
com o tempo.
Felipe
estava na sala assistindo televisão.
Resolvi
não ir lá. Não queria ter mais alguma crise estúpida por conta do
aparelho eletrônico.
Abri
meu armário e vi diversas roupas, não queria vestir nada daquilo.
Já fui tantos personagens tantas vezes.
Resolvi
atender ao pedido de Felipe e peguei uma muda de roupa que estava
perdida no fundo do armário. Hoje eu seria eu mesma.
Simplesmente
Lia. Não tão simples assim.
Tomei
todos os meus remédios que ele já havia deixado em cima do criado
mudo ao meu lado da cama.
Não
me sentia mal em ser quem eu sou, ser do jeito que sou.
Me
sentia mal por todas as pessoas normais que viviam fora do nosso
aconchegante apartamento.
Decidi
atender a outro desejo de Felipe e pego um papel e uma caneta e
começo a escrever.
“Querido
Felipe...
Oi! Quanto tempo! Está um pouco difícil de postar mas eu vou tentar aparecer com mais frequência... Sentia que devia essa explicação. Eu gosto muito desse texto, não sei, não tem nada de muito metafórico ou alguma mensagem muito importante, é algo simples que eu gosto.
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