domingo, 14 de agosto de 2016

Apenas mais uma carta...

Querida Lia,
Gosto de ficar te observando dormir.
Você parece calma, mas por incrível que pareça eu gosto mais de você quando tem suas pequenas crises.
Por mais que você já tenha arruinado alguns jantares de negócios que nós estávamos, algumas festas de família, eu ainda te amo.
Lembra-se quando nos conhecemos?
Eu estava na casa de um amigo que por coincidência era marido de uma amiga sua.
Por que eu estou escrevendo isso? É claro que você se lembra.
Fui eu quem correu atras de você quando você fugia das “pessoas” que te perseguiam, fui eu quem teve coragem de subir até o segundo andar e tentar conversar com você quando se trancou no quarto escuro achando que estavam tentando te matar.
E daquele jantar quando minutos antes de entrarmos eu, por impulso, tentei limpar um pouco de batom borrado, que mal se percebia, no canto da sua boca e você passou batom em parte do seu rosto.
Confesso que meu chefe ficou muito assustado.
No seu próprio aniversário, acabaram falando muito alto e você quebrou seu vaso favorito, o jogando na parece, enquanto ria loucamente.
As vezes simplesmente chegava e desligava a televisão no meio do jogo que eu estava assistindo alegando que eram espiões.
Isso nunca foi motivo para ficar bravo com você.
Conhecia, e ainda conheço, sua fragilidade. E tenho que admitir que sou apaixonado por ela.
Talvez o louco seja eu.
Você se encolhia no canto do nosso quarto no meio da noite dizendo que viriam nos matar, se recusando a voltar para cama, então eu pegava nosso cobertor e você fazia meu peito de travesseiro.
E era nesse momento que eu me sentia o homem mais feliz do mundo. A probabilidade de você queimar essa carta antes mesmo de ler é grande. Não sei o que virá dessa vez.
Tive que começar a pagar todas as contas pela internet pois você queimava os boletos e qualquer papel que passasse por debaixo da porta do nosso apartamento.
Tique que colocar grades nas janelas, como se fazem com crianças, logo após de te encontrar sentada na beirada de uma das janelas, em tempo de cair, falando com “anjos”.
Você os veria se caísse do décimo andar. Onde eu estava com a cabeça de escolher um apartamento tão alto?
Seus pais, e os meus também, queriam me internar, me chamavam de louco por querer ficar com você, Lia, eles não aceitavam.
Como se você não pudesse ter uma vida normal.
Lembra-se de quando conversamos sobre filhos? Sempre gostei de crianças. Nunca nos achei aptos a cuidar de uma.
Foi nesse dia que a magoei.
Me arrependo tanto desse dia.
Não tem uma noite que não penso naquela nossa discussão.
Eu gritei com você, e você gritava comigo. Cheguei até mesmo a te chamar de doente e você ficou me estapeando e gritando comigo enquanto chorava muito.
De repente você parou. Correu para o quarto e quando estava mais calmo e fui até lá vi que você estava fazendo uma mala e queimando nossas fotos.
Nunca agradeci tanto por ter uma cópia de cada.
Mais tarde os vizinhos foram nos perguntar que gritaria era aquela e se não tivéssemos parado, chamariam a polícia.
Me desculpe pelo papel molhado. Sempre choro quando me lembro desse cena deplorável.
Não quis me separar de você nem quando eu acordei com você em cima de mim e se não fosse o travesseiro e meu reflexo eu teria morrido com uma facada letal no peito.
É, a cada parágrafo tenho mais certeza que o louco que deveria tomar todos aqueles remédios sou eu.
Você está prestes a acordar e estou um pouco ansioso. Nunca sei quem minha mulher vai ser.
Recorda-se disso? Cada dia uma personagem diferente.
O melhor dia foi quando você decidiu ser apenas você.
Espero todos os dias que isso se repita, mas todos os dias fico levemente frustrado.
Espero que você tenha entendido o que quis dizer.
Você sempre soube que eu amo escrever, apesar de não fazer isso muito bem. Você, no entanto, é uma grande escritora que se recusa a ser manipulada pelo mundo e estragar algo que ama fazer.
Com amor.
Do seu Felipe.”
Dobrei a carta toda borrada pelas minhas lágrimas e a guardei de volta no envelope. Procurei a chave de uma gaveta que sempre ficava trancada e guardei lá a carta. Não queria a perder.
A gaveta estava abarrotada de outras cartas que ele havia me escrito com o tempo.
Felipe estava na sala assistindo televisão.
Resolvi não ir lá. Não queria ter mais alguma crise estúpida por conta do aparelho eletrônico.
Abri meu armário e vi diversas roupas, não queria vestir nada daquilo. Já fui tantos personagens tantas vezes.
Resolvi atender ao pedido de Felipe e peguei uma muda de roupa que estava perdida no fundo do armário. Hoje eu seria eu mesma.
Simplesmente Lia. Não tão simples assim.
Tomei todos os meus remédios que ele já havia deixado em cima do criado mudo ao meu lado da cama.
Não me sentia mal em ser quem eu sou, ser do jeito que sou.
Me sentia mal por todas as pessoas normais que viviam fora do nosso aconchegante apartamento.
Decidi atender a outro desejo de Felipe e pego um papel e uma caneta e começo a escrever.

Querido Felipe...

Oi! Quanto tempo! Está um pouco difícil de postar mas eu vou tentar aparecer com mais frequência... Sentia que devia essa explicação. Eu gosto muito desse texto, não sei, não tem nada de muito metafórico ou alguma mensagem muito importante, é algo simples que eu gosto.

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