domingo, 29 de maio de 2016

Até Quando?


Oi!

Com certeza vocês ficaram sabendo do que aconteceu essa semana com a menina de 16 anos que foi estuprada por 33 homens...

Então, como de costume, eu resolvi tratar desse assunto no texto de hoje. Na verdade foi coincidência eu ter um texto se tratando de algo muito parecido e eu resolvi compartilhar com vocês.

Espero que gostem

Desliguei o rádio após estacionar o carro.

Respirei fundo, peguei minha bolsa e saí. Não antes de colocar meus óculos escuros e olhar no espelho se havia algo evidente.

Entrei na loja e fui até o balcão.

-Bom dia, senhorita Juliana. - a atendente já me chamava pelo nome. Fazia dois longos anos que eu ia até lá no mínimo duas vezes ao mês.

Coloquei a mão tapando o rosto para que outros clientes não pudessem me ver.

-Você poderia pegar o de sempre e o mostruário de batons? - pedi educadamente.

Enquanto esperava, olhei o espelho grande da loja e quem não soubesse da verdade diria que eu estava bem. Minha roupa estava impecável. Os cabelos nunca estiveram melhores. 

Eu conseguia ficar o dia todo em cima do salto, altamente desconfortável, sem reclamar.
Mariana, a atendente, volta com a minha sacola e o mostruário de batons. Já a considerava minha amiga, pois ela sempre me ajudava sem fazer perguntas ou críticas. Eu sabia o que estava fazendo. Pelo menos achava que sabia.

Olhei cautelosamente cada batom. Não tinha pressa para chegar a casa. Eu gostava de batons vermelhos vibrantes, mas era obrigada a usar os mais claros em tons nude. Escolhi o que tinha o tom mais forte permitido a mim, o que não passava de salmão e fui para o caixa.

As outras mulheres me olhavam torto. Provavelmente porque estou usando óculos escuros dentro de uma loja. Mas acredite, elas não iriam gostar de ver o que havia abaixo deles.

Após pagar minhas compras, dirgi-me ao carro que havia ganho de meu marido, há menos de um mês.

Tomas era uma boa pessoa. Pelo menos algumas vezes. Gostava de me presentear com objetos caros, inclusive o carro que havia ganho dele e gostava mais ainda do dinheiro que tínhamos, fruto de nosso esforço e da herança de meu avô. Gostava da nossa influência na sociedade também.

Eu não me importava com isso. Mas não podia dizer isso a ele. Ele tinha a mente um pouco fechada. Nada que eu não me acostumasse.

Assim que cheguei a casa, estacionei meu carro em uma das vagas da garagem e tirei da minha bolsa um pouco de dinheiro para dar ao motorista para que ele ficasse calado. Tomas não gostava quando eu saía sozinha. Ganhei um carro e não podia dirigir.

Passei pela sala e subi as escadas o mais rápido possível.

-Com licença, senhorita. Precisa de algo? - Carolina logo veio me perguntar.

-Não obrigada, Carolina. Posso me arrumar sozinha. Só quero que me avise quando Tomas chegar.

Ela apenas assentiu e saiu do quarto. Peparei meu banho e fiquei quinze longos minutos na banheira tentando relaxar para suportar o mau humor de Tomas no jantar. Ele anda muito preocupado com a empresa, mas tudo está perfeito. Já tentei convence-lo disso várias vezes, mas o resultado é sempre o mesmo.

Após o banho, vesti-me e fiquei diante do espelho olhando aquelas marcas horríveis.
Meu olho estava arroxeado e nos meus braços haviam marcas dos dedos de Tomas algumas ainda roxas e outras em tons que variavam de esverdeado a amarelado. Como eu vestia uma saia, era possível ver marcas nas minhas pernas.

Não gosto de lembrar como ganhei todas essas marcas, mas era inevitável. Eu comecei a chorar ao lembrar de como Tomas me ameaçava, o que faria comigo se eu contasse a alguém, se eu o denunciasse. Ao me lembrar de como me bateu, quando saímos, chorei ainda mais e eu ainda estava com um batom vermelho ganho de uma amiga, que logo ele fez questão de cortar contato. Ele foi cruel comigo quando bebeu mais que deveria e descontou toda sua raiva em mim.

Eu havia desistido dele...

Mas ele não desistia de mim. Cheguei a sair de casa, mas ele, literalmente, me arrastou de volta e me bateu muito por tal ato.

Combinamos que iríamos dormir em quartos separados, mas ele poderia me usar quando quisesse, que acontecia com frequência. Ou me usava ou me batia.

Sentei-me na cama chorando. Tentando lembrar quando eu errei e permiti que isso acontecesse.

Minhas únicas amigas eram Mariana – a atendente da loja de cosméticos que sempre deixava separado para mim bases, corretivos, iluminadores... tudo para tentar me ajudar a esconder meus hematomas – e Carolina – nossa “empregada” que foi testemunha de vários momentos horríveis e sempre estava por perto sendo prestativa e me ajudando.

Mas Tomas não fazia ideia disso e não poderia também. Uma vez ele disse que empregados não passam de funcionários feitos para servir.

Ouvi batidas na porta.

-Senhorita? - era Carolina. Sua voz doce era inconfundível.

-Entre. - disse fungando.

Ela entrou no quarto e fechou a porta rapidamente.

-Ele chegou, senhorita. Precisa de ajuda? - disse pegando um lenço no bolso e limpando minhas lágrimas com cuidado.

Assenti e a deixei me ajudar a passar maquiagem para tentar esconder as marcas que Tomas havia feito.

No final eu estava quase perfeita. Passei o batom nude de sempre e esbocei um sorriso para o espelho. Eu era quase a mulher perfeita.

Desci calmamente, não tão ansiosa para ver meu marido.

Ele estava muito bonito. Na verdade, sempre foi. Apenas seu caráter ofusca sua aparência tão bela.

Cumprimentou-me com um beijo e nos sentamos para jantar. No meio da refeição ele finalmente dirige a palavra a mim.

-Juliana. Por que não temos filhos? - sério? Pensei comigo mesma. Tudo bem Juliana. 
Respire fundo e responda educadamente.

-Querido, você sabe que eu não posso ter filhos. Achei que isso estivesse claro desde o início do nosso relacionamento. - tudo bem, a segunda parte não foi tão educada assim.

-Não me chame assim. Sua imprestável. - ele começou a gritar e bater na mesa, enquanto se levantava e ia até mim.

Segurou meu rosto com força e me deu um tapa. E depois outro do outro lado. Eu tentava pedir por favor, mas ele não parava.

-Acho que você não aprendeu ainda como eu devo ser tratado. - disse furioso puxando-me pelo braço escada acima.

Foram um dos vinte minutos mais longos da minha vida. Pareceram horas intermináveis. Ao fim, ele só faltou cuspir em mim.

Olhei-me no espelho e eu não parecia nem um pouco com aquela mulher que eu era antes do jantar. Meus lábios sangravam. Estava derrotada. Doía só de imaginar ficar presa nessa rotina terrível até a morte de um de nós dois. Era pior ainda saber que outras mulheres sofriam do mesmo pesadelo que eu sofro diariamente.

-Senhorita, precisa de ajuda? - Carolina me chamava novamente.

-Não, obrigada. Pode ir dormir. Não se preocupe comigo, eu estou bem. - disse antes de cair no choro. Não estava nada bem. Nada ia ficar bem.

Limpei meus ferimentos e vesti meu pijama. Deitei-me imaginando o que viria amanhã e depois. Será sempre assim? Eu não vou poder ser livre?

As feministas costumam dizer que alcançamos a liberdade e realmente acredito nelas. 

Acredito em nós. 

Só não acho que eu tenha sido escolhida para compartilhar dessa liberdade.

As mulheres realmente conquistaram lugar e voz na sociedade, mas não foram todas.

Não é tão simples fechar os olhos e fingir que isso não existe. Existe e é mais frequente do que imaginamos.

Infelizmente, muitas de nós ainda estamos presas na nossa própria liberdade. 

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