Oi!
Com certeza vocês ficaram sabendo do que aconteceu essa semana com a menina de 16 anos que foi estuprada por 33 homens...
Então, como de costume, eu resolvi tratar desse assunto no texto de hoje. Na verdade foi coincidência eu ter um texto se tratando de algo muito parecido e eu resolvi compartilhar com vocês.
Espero que gostem
Desliguei
o rádio após estacionar o carro.
Respirei
fundo, peguei minha bolsa e saí. Não antes de colocar meus óculos
escuros e olhar no espelho se havia algo evidente.
Entrei
na loja e fui até o balcão.
-Bom
dia, senhorita Juliana. - a atendente já me chamava pelo nome. Fazia
dois longos anos que eu ia até lá no mínimo duas vezes ao mês.
Coloquei
a mão tapando o rosto para que outros clientes não pudessem me ver.
-Você
poderia pegar o de sempre e o mostruário de batons? - pedi
educadamente.
Enquanto
esperava, olhei o espelho grande da loja e quem não soubesse da
verdade diria que eu estava bem. Minha roupa estava impecável. Os
cabelos nunca estiveram melhores.
Eu conseguia ficar o dia todo em
cima do salto, altamente desconfortável, sem reclamar.
Mariana,
a atendente, volta com a minha sacola e o mostruário de batons. Já
a considerava minha amiga, pois ela sempre me ajudava sem fazer
perguntas ou críticas. Eu sabia o que estava fazendo. Pelo menos
achava que sabia.
Olhei
cautelosamente cada batom. Não tinha pressa para chegar a casa. Eu
gostava de batons vermelhos vibrantes, mas era obrigada a usar os
mais claros em tons nude. Escolhi o que tinha o tom mais forte
permitido a mim, o que não passava de salmão e fui para o caixa.
As
outras mulheres me olhavam torto. Provavelmente porque estou usando
óculos escuros dentro de uma loja. Mas acredite, elas não iriam
gostar de ver o que havia abaixo deles.
Após
pagar minhas compras, dirgi-me ao carro que havia ganho de meu
marido, há menos de um mês.
Tomas
era uma boa pessoa. Pelo menos algumas vezes. Gostava de me
presentear com objetos caros, inclusive o carro que havia ganho dele
e gostava mais ainda do dinheiro que tínhamos, fruto de nosso
esforço e da herança de meu avô. Gostava da nossa influência na
sociedade também.
Eu
não me importava com isso. Mas não podia dizer isso a ele. Ele
tinha a mente um pouco fechada. Nada que eu não me acostumasse.
Assim
que cheguei a casa, estacionei meu carro em uma das vagas da garagem
e tirei da minha bolsa um pouco de dinheiro para dar ao motorista
para que ele ficasse calado. Tomas não gostava quando eu saía
sozinha. Ganhei um carro e não podia dirigir.
Passei
pela sala e subi as escadas o mais rápido possível.
-Com
licença, senhorita. Precisa de algo? - Carolina logo veio me
perguntar.
-Não
obrigada, Carolina. Posso me arrumar sozinha. Só quero que me avise
quando Tomas chegar.
Ela
apenas assentiu e saiu do quarto. Peparei meu banho e fiquei quinze
longos minutos na banheira tentando relaxar para suportar o mau humor
de Tomas no jantar. Ele anda muito preocupado com a empresa, mas tudo
está perfeito. Já tentei convence-lo disso várias vezes, mas o
resultado é sempre o mesmo.
Após
o banho, vesti-me e fiquei diante do espelho olhando aquelas marcas
horríveis.
Meu
olho estava arroxeado e nos meus braços haviam marcas dos dedos de
Tomas algumas ainda roxas e outras em tons que variavam de esverdeado
a amarelado. Como eu vestia uma saia, era possível ver marcas nas
minhas pernas.
Não
gosto de lembrar como ganhei todas essas marcas, mas era inevitável.
Eu comecei a chorar ao lembrar de como Tomas me ameaçava, o que
faria comigo se eu contasse a alguém, se eu o denunciasse. Ao me
lembrar de como me bateu, quando saímos, chorei ainda mais e eu
ainda estava com um batom vermelho ganho de uma amiga, que logo ele
fez questão de cortar contato. Ele foi cruel comigo quando bebeu
mais que deveria e descontou toda sua raiva em mim.
Eu
havia desistido dele...
Mas
ele não desistia de mim. Cheguei a sair de casa, mas ele,
literalmente, me arrastou de volta e me bateu muito por tal ato.
Combinamos
que iríamos dormir em quartos separados, mas ele poderia me usar
quando quisesse, que acontecia com frequência. Ou me usava ou me
batia.
Sentei-me
na cama chorando. Tentando lembrar quando eu errei e permiti que isso
acontecesse.
Minhas
únicas amigas eram Mariana – a atendente da loja de cosméticos
que sempre deixava separado para mim bases, corretivos,
iluminadores... tudo para tentar me ajudar a esconder meus hematomas
– e Carolina – nossa “empregada” que foi testemunha de vários
momentos horríveis e sempre estava por perto sendo prestativa e me
ajudando.
Mas
Tomas não fazia ideia disso e não poderia também. Uma vez ele
disse que empregados não passam de funcionários feitos para servir.
Ouvi
batidas na porta.
-Senhorita?
- era Carolina. Sua voz doce era inconfundível.
-Entre.
- disse fungando.
Ela
entrou no quarto e fechou a porta rapidamente.
-Ele
chegou, senhorita. Precisa de ajuda? - disse pegando um lenço no
bolso e limpando minhas lágrimas com cuidado.
Assenti
e a deixei me ajudar a passar maquiagem para tentar esconder as
marcas que Tomas havia feito.
No
final eu estava quase perfeita. Passei o batom nude de sempre e
esbocei um sorriso para o espelho. Eu era quase a mulher perfeita.
Desci
calmamente, não tão ansiosa para ver meu marido.
Ele
estava muito bonito. Na verdade, sempre foi. Apenas seu caráter
ofusca sua aparência tão bela.
Cumprimentou-me
com um beijo e nos sentamos para jantar. No meio da refeição ele
finalmente dirige a palavra a mim.
-Juliana.
Por que não temos filhos? - sério? Pensei comigo mesma. Tudo bem
Juliana.
Respire fundo e responda educadamente.
-Querido,
você sabe que eu não posso ter filhos. Achei que isso estivesse
claro desde o início do nosso relacionamento. - tudo bem, a segunda
parte não foi tão educada assim.
-Não
me chame assim. Sua imprestável. - ele começou a gritar e bater na
mesa, enquanto se levantava e ia até mim.
Segurou
meu rosto com força e me deu um tapa. E depois outro do outro lado.
Eu tentava pedir por favor, mas ele não parava.
-Acho
que você não aprendeu ainda como eu devo ser tratado. - disse
furioso puxando-me pelo braço escada acima.
Foram
um dos vinte minutos mais longos da minha vida. Pareceram horas
intermináveis. Ao fim, ele só faltou cuspir em mim.
Olhei-me
no espelho e eu não parecia nem um pouco com aquela mulher que eu
era antes do jantar. Meus lábios sangravam. Estava derrotada. Doía
só de imaginar ficar presa nessa rotina terrível até a morte de um
de nós dois. Era pior ainda saber que outras mulheres sofriam do
mesmo pesadelo que eu sofro diariamente.
-Senhorita,
precisa de ajuda? - Carolina me chamava novamente.
-Não,
obrigada. Pode ir dormir. Não se preocupe comigo, eu estou bem. -
disse antes de cair no choro. Não estava nada bem. Nada ia ficar
bem.
Limpei
meus ferimentos e vesti meu pijama. Deitei-me imaginando o que viria
amanhã e depois. Será sempre assim? Eu não vou poder ser livre?
As
feministas costumam dizer que alcançamos a liberdade e realmente
acredito nelas.
Acredito em nós.
Só não acho que eu tenha sido
escolhida para compartilhar dessa liberdade.
As
mulheres realmente conquistaram lugar e voz na sociedade, mas não
foram todas.
Não
é tão simples fechar os olhos e fingir que isso não existe. Existe
e é mais frequente do que imaginamos.
Infelizmente, muitas de nós ainda estamos presas na nossa própria liberdade.
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